segunda-feira, 5 de outubro de 2009

MH2O faz aniversário e sua história se confunde com a história do Hip Hop do Ceará

Hip hop

Juventude organizada

Nascido do diálogo com o movimento estudantil, o hip hop tem suas primeiras experiências no Ceará no correr dos anos 80. Desde então, espalharam-se pelos extremos da periferia de Fortaleza grupos com as propostas as mais diferentes, consolidando aqui toda uma nova cultura

Júlia Lopes

Alinne Rodrigues

03 Out 2009 - 17h29min

A cultura hip hop tomou conta de Fortaleza desde os anos 80(Foto: IGOR DE MELO)
A elegância esperta da pilantragem, o sapato bico fino, a irreverência das cores fortes e do brilho. Enquanto a herança dos anos 70 se misturava aos elementos do começo dos anos 80, o Ceará conhecia e interpretava à sua maneira a valorização do black power. Parte dessa história adentrava no universo cearense pela poderosa mão da disco music e do funk de James Brown. Naquela época, o DJ César Black fazia a Black Som (festa que existe até hoje e acontece uma vez por ano) com os rappers Titio e Cachorrão no Interdance. Enquanto isso, Cambota soltava um som aos domingos na Barra do Ceará. Clubes como o Recordance, Apache e Pinheiro Clube levavam até duas mil pessoas para os bailes.

Ao longo da década, os dançarinos ganhavam força, e os movimentos compassados & aprendidos nas poucas vezes que clipes e filmes eram veiculados pela TV & iam dando espaço a outro tipo de organização: o hip hop. Se entre os diversos bairros de periferia da cidade, o futuro hip hop confabulava, foi entre as ruas numeradas do Conjunto Ceará que ele passou a ter nome e endereço. Era 1989 e o MH2O se formava através da mobilização feita por Johnson Sales, o Poeta Urbano, Sátiro Silvestre e outras 30 pessoas. Como batida de fundo, a percepção de uma juventude negligenciada pelo poder público, ávida por expressar desejos e ansiedades nas diversas formas de manifestação artísticas da cultura hip hop & principalmente o rap e o break.

Começo

``No começo, o MH2O é formado por integrantes do movimento estudantil secundarista e por grupos de dança de rua e rappers``, detalha Johnson. E completa: ``Ele nasce como alternativa de linguagem para a juventude``. Houve um tempo, porém, em que as letras ainda não levantavam bandeiras. ``O início do hip hop era inocente. Tinha a Melô do Cachorrão que era assim: -Amarrou e não amarrou / meu cachorro se soltou e nunca mais voltou-``, ri Cristiano Silva, o DJ Doido, que integra o Movimento Cultura de Rua (MCR) e a Central Única das Favelas (Cufa). Mas as fortes letras e a verve contestadora não tardariam a chegar.

``Eu fazia um programa na Paupina FM, em 1994, 95. A gente ouvia muito Álibi, Gog. Mas não tocava Racionais``, conta Heverton Lopes, técnico em eletrônica. A escolha era balizada por uma opção política: ``A molecada não sabia interpretar o que o Mano (Brown, do Racionais MCs) dizia. Para mim, ele não conseguia passar a mensagem. Então, não tocava``. Era a década de 90, tempo em que a cultura hip hop se expandia e se fortalecia na cidade. Tempo também de veiculação da produção nas diferentes comunidades. ``Em 1990, tinha os Embalos da Volta, era na Rádio Jangadeiro se eu não me engano. De 1991 a 1994, esse programa começou a veicular músicas do hip hop. E a gente também ia lá e fazia ao vivo no estúdio``, detalha Johnson.

Cristiano aponta o sentimento que imperava naquele momento. ``A década de 1990 foi quando todo mundo percebeu que fazia parte de um movimento. Foi quando as questões políticas ficaram mais fortes``. Nesse sentido, a formação do movimento estudantil de Johnson foi fundamental para o caminho trilhado pelo MH2O. Caminho, aliás, escolhido por outros grupos, muitos deles dissidentes do coletivo. ``O MH2O fez a pavimentação para que outras pessoas fizessem seus trabalhos. É, desde sempre, uma organização da juventude, que conseguiu se institucionalizar no final dos anos 1990``, completa Sátiro.

No Brasil, o hip hop também alçava altos voos: Racionais MCs lança, em 1998, Sobrevivendo no Inferno. ``Foi com o show deles em Fortaleza, naquele mesmo ano, no Biruta, que a gente percebeu o que queria fazer``, relembra Cristiano. ``Começamos as festas de hip hop primeiro no Cidadão do Mundo e depois no Boca Rica``. Se nos anos 2000 os Racionais cantavam a violência urbana, a criminalidade, na outra ponta da cultura hip hop o braço musical foi marcado por um boom e uma maior comercialização do rap. Para Sátiro, nos ``anos 2000, o hip hop começa a estourar nas gravadoras de todo mundo. Alguns grupos refletiram e acharam que mudando até o conteúdo das letras conseguiriam vender mais, se adequar a um modo de fazer para estourar``.

``Esse caminho é o que nós não queremos. Ai que vem a questão do movimento. Com o hip hop, a gente fez igual eles fazem com a droga: do jeito que tem a boca de fumo, tem a nossa barraquinha. Através do toca-disco, eu faço até discussão de gênero``, frisa Cristiano. ``Hoje o hip hop no Brasil tem duas vertentes, uma mais militante, com um cunho mais social, e outra que tem a questão da dança, da diversão. Nós do MH2O apostamos nessa vertente que serve como instrumento pra dialogar com os diversos setores da sociedade``, explica Sátiro. Um pouco desse movimento incessante, dos ritmos e balanços do hip hop pós-anos 2000, nas próximas páginas: prepare-se para quebrar paradigmas. (Júlia Lopes)

E-MAIS

> O hip hop surgiu nos guetos norte-americanos na década de 1970. Gente como Afrika Bambaata e Kool Herck fizeram do rhythm and poetry & o rap & a grande arma cultura e política para a juventude. A estética inaugurada naquela época continua a ser imitada e/ou reinventada ainda hoje.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente esta matéria e participe ativamente do dia a dia da maior Organização de Hip Hop do Brasil